“SOU UM CONTESTATÁRIO ACOMODADO”
José Flórido foi professor de ginástica no ensino secundário durante 38 anos. É um homem muito conhecido pelas gerações de alunos que tiveram aulas consigo e por todos quantos com ele têm privado reconhecendo-lhe uma afabilidade extraordinária. A sua infância foi repartida entre as ruas das Caldas da Raínha, onde nasceu e as de Setúbal, onde se radicou. Conheceu José Afonso e outros opositores do antigo regime ainda muito novo, começou a despertar para uma consciência política. Frequentou o Circulo Cultural de Setúbal e sentiu o apoio dos amigos que, diz, sempre os teve em abundância. Hoje considera-se um contestatário acomodado e aproveita a sua reforma para ler, ouvir música, viajar e, acima de tudo, para ver os netos crescerem. Acredita que teria sido um bom médico
Como foi a sua infância?
Tive uma infância feliz. Nasci nas Caldas da Raínha, em 1951. Foi uma infância muito variada ainda com a presença do meu pai. Vim para Setúbal, em Junho de 1962, com 10 anos. Fiz a escola primária e o primeiro ano da Escola Técnica, ainda nas Caldas da Raínha. Os meus pais não tinham dinheiro para que eu pudesse estudar num colégio. Sempre tive muitos amigos com quem brinquei bastante. Brincávamos nas ruas. Nas Caldas, o ambiente era muito fechado.
O primeiro amor…
Aconteceu aos 13 anos. Foi com uma miuda que era minha vizinha, morava no 1º andar do prédio em frente ao meu. Andávamos no Liceu. Durou até aos 15 anos. Entretanto ela foi morar para Carcavelos e o namoro acabou.
E o primeiro emprego…
Nos escritórios dos antigos “Belos”, em Setúbal, durante os 3 meses de férias do 5º ano. Ganhava cerca de 750 escudos.
Como é a sua casa? Como a define?
É uma casa confortável. Tenho 3 filhos que, entretanto, já saíram de casa por isso a casa ficou grande demais para nós. O meu refúgio será mais o apartamento que temos em Tróia. É uma casa com uma decoração simples e tradicional.
O que pensa do mundo?
Desde muito novo, talvez 15 anos, por razões económicas e de revolta, comecei a pensar politicamente. Na altura juntei-me ao Circulo Cultural de Setúbal e ao Secretariado Cristão de Ação Social, onde estava o então padre Mário Pereira. Conheci o José Afonso e mais alguns opositores de Setúbal. Comecei a ter consciência. Senti muito apoio dos amigos, aliás, os amigos sempre me têm acompanhado vida fora. Penso que o mundo deveria ser mais fraterno e justo. O dinheiro não é tudo, é apenas a ditadura financeira. No presente direi que sou um contestatário acomodado.
Sente-se realizado humana e profissionalmente?
Penso que fiz bem o meu trabalho quer como professor, quer como técnico na secção de ginástica do Vitória de Setúbal. Fui professor no ensino secundário durante 38 anos e estive durante 24 anos no Vitória. Sinto-me realizado como homem mas não estou satisfeito.
Como se resolve a crise?
Desde que me conheço e que tenho consciência poíitica sempre houve crise. Penso que vamos ultrapassar mais esta crise que, no entanto, é mais longa. Temos que mudar a atitude e a credibilidade dos nossos politícos. A crise tem raízes internacionais mas, fundamentalmente, tem raízes nossas. Vivemos mesmo acima das nossas posses endividando-nos e vamos ter que olhar muito seriamente para a nossa forma de estar.
Deus criou o Homem, ou foi o Homem quem criou Deus?
Penso que Deus foi criado pelo Homem. Precisávamos de uma explicação para o mistério do universo.
Se pudesse voltar atrás o que mudaria na sua vida?
Todos nós mudaríamos um pouco o nosso rumo se soubessemos o que sabemos hoje. No meu caso mudaria a profissão. Teria seguido medicina e só por uma mera hesitação não o fiz. Acredito que teria dado um bom médico.
Que faz no presente e que projectos para o futuro?
Estou reformado e sinto-me bem com a sensação do dever cumprido. Dedico-me à leitura, a ouvir música, aos netos, frequento um grupo coral e continuo a ter alguma atividade físíca e de lazer. Ver crescer os netos dá-me muito prazer. Gosto imenso de viajar.
CAIXA DAS PALAVRAS
Um destino
Lapónia (Pólo norte)
Um livro
O Fio da navalha (Somerset Maugham)
Uma música
Cantigas do Maio (José Afonso)
Um ídolo
José Afonso e a minha avó materna
Um prato
Cozido à portuguesa
Um conceito
Deus manda-nos amar uns aos outros mas não nos manda ser parvos
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