VITOR RAMALHO
“O MUNDO É INJUSTO E ESTÁ A PREMIAR OS MEDÍOCRES”
O Dr. Vitor Ramalho é presidente da Fundação Inatel e da Federação de Setúbal do Partido Socialista. Define-se como um sonhador e gostaria de ver os poetas a comandar o mundo. Detesta os medíocres e os resignados e acredita que o mundo está em rotura e que irá mudar para melhor com o aparecimento de homens e mulheres de coragem. Nasceu em Angola e fala com paixão de Caala, sua cidade Natal. Foi responsável pela iniciativa do acordo de Bicesse e tem pena de não poder contribuir ainda mais, politicamente, para o bem estar de Portugal. Gosta de muamba e define-se como um entre biliões de seres humanos.
Como foi a sua infância?
- Foi passada em África. Nasci no planalto central de Angola, numa pequena terra chamada Caala, onde estive até aos dezassete anos. As imagens que tenho da minha meninice são fortes, um arco-íris das chuvas tropicais, as brincadeiras com os meninos de várias cores, a natureza, a escola onde tive dois professores na primária que me ensinaram a ler e a escrever. A minha terra deu várias figuras públicas como Vitor de Sá Machado, o Camilo e o França, que foram jogadores do Sporting e da Académica de Coimbra. Aliás, o França chegou a Chefe General Maior das Forças Armadas angolanas com o nome de guerra N’Dalo. O Raúl Ouro Negro e outros. Foi uma infância feliz na companhia dos meus pais (mãe angolana e pai das Caldas da Rainha) e do meu irmão, que é mais velho.
O primeiro amor...
- Uma coisa de miúdos. Aconteceu nos primeiros anos de Liceu, na antiga Nova Lisboa. Senti que estava apaixonado pelas brincadeiras e atitudes que temos diante do primeiro amor. Ela é hoje uma das mais prestigiadas advogadas de Angola e ficou sempre em Luanda.
E o primeiro emprego…
- Nas Construções Técnicas, na altura a maior empresa de obras públicas do país e a maior escola de formação técnica neste dominio, que existia. Fez as obras mais significativas de Portugal, antes do 25 de Abril, de 74. Entrei como licenciado em direito, com vinte e um anos.
Como é a sua casa, como a define?
- Não é uma casa que exiba a toda a gente. Gosto dela e das minhas coisas. Tem quadros pintados por mim e desenhos que também faço. Acho que é uma casa absolutamente normal.
O que pensa do mundo?
- Penso que é injusto e está a premiar os medíocres incluindo os bandidos que hoje dominam a economia e as finanças, com agiotas sem valor. Mas vai mudar para melhor como sempre sucedeu na história da humanidade com a rotura e com homens e mulheres de coragem que surgem sempre nestas alturas. Tenho pena deste mundo dominado pelo dinheiro e política subordinada às finanças e aos mercados. Acredito no ser humano.
Como se ultrapassa a crise?
- Vai-se ultrapassar: a Europa começou a ser forçada a perceber que tinha de resolver o problema da Grécia, sob pena de sucumbir e vai fazê-lo apoiando-a financeiramente. A seguir a banca vai ser recapitalizada o que vai dar uma certa estabilidade. Finalmente surgirá a rotura mais tarde para recompôr tudo isto, caso não se vá ao fundo das questões.
Sente-se realizado humana e profissionalmente?
- Sim, nunca desisto daquilo que acho justo e correcto. Posso olhar-me ao espelho. Profissionalmente gostava de ter dado um melhor contributo político maior ao país. A minha idade já não me deve permitir que dê o quanto acho que ainda poderia dar. Embora, com alguma vaidade, diga que fiz coisas importantes para o país. Foi através do meu contributo, e de mais quatro luso-angolanos, por exemplo, que houve a paz para Angola em Bicesse.
Deus criou o Homem, ou foi o Homem quem criou Deus?
- Foi o Homem quem criou Deus. Nós estamos hoje a 17 milhões de anos luz do termo do universo que, como sabe está sempre em expansão, Deus também o estará. Logo foi o Homem quem o criou. Por isso o mundo é tão injusto, porque também humano e nunca se saberá qual será o centro dele. O centro está em toda e qualquer parte. Tudo é centro.
Se o mundo terminasse amanhã o que faria hoje?
- A mesma coisa. Era totalmente inútil mudar de vida.
Que lhe falta realizar?
- Tudo. A vida é um recomeço permanente. Gostava de voltar a ver um mundo onde os poetas tivessem força, o sonho comandasse porque não há outra verdade tão pungente como a de Gedeão: “o sonho comanda a vida”. Tudo nasceu do sonho.
A idéia que os outros têm de si corresponde àquilo que lhes tenta transmitir? Como se define?
- Não faço idéia. Não me julgo a mim próprio. Só tem grandes amigos quem tem grandes inimigos. Os amorfos não têm nem uma coisa nem outra. Quem não quer mudar são os resignados. Sou um entre biliões de seres humanos. Ninguém me é indiferente embora na política abomine a mediocridade e a intriga, hoje tão em voga pela queda dos valores.
Se pudesse voltar atrás o que mudaria na sua vida?
- Acho que não mudaria nada. A vida que tracei até hoje tem feito sentido. Não penso que a minha vida poderia ter sido melhor se tivesse feito coisas diferentes.
CAIXA ALTA
Um destino
- Caala
Um livro
- O Processo
Uma música
- A dança do fogo
Um ídolo
- Gandhi
Um prato
- Muamba
Um conceito
- Liberdade
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