Com o apoio: Hotel do Sado
“NA MINHA RUA HAVIA A SOPA DA LEGIÃO”
Duarte Machado é presidente da delegação de Setúbal da Cruz Vermelha. Nasceu numa rua por onde os pescadores passavam todas as noites a a caminho do mar e a sua infância ficou marcada pelo medo da II Guerra Mundial e dos aviões que sobrevoavam Setúbal. O seu primeiro emprego foi no escritório da Casa dos Pescadores. Para si o mundo é um sítio muito complicado e só com a união de todos é possível ultrapassar a crise. Sente-se um homem realizado e tem dúvidas que se possa considerar a existência de um Deus
Como foi a sua infância?
Sou um homem de Setúbal, nasci na rua João de Deus, onde os pescadores passavam para ir para o mar falando em altas vozes com um sotaque setubalense. A minha infância foi muito interessante. Foi uma época pobre com o medo da II Guerra Mundial. Quando ouvíamos um avião pensávamos que íamos ser bombardeados. Na minha rua havia “a sopa da Legião”, para os pobres. Andei na escola dos pescadores onde até fui bom aluno. Não tive avós e o meu pai era um homem ausente. Não passei fome mas tive muitas carências afetivas.
O primeiro amor…
Foi a minha mulher. Tinha 20 anos. Foi amor à primeira vista. Conheci-a em Sesimbra, mas ela era do Pinhal Novo, onde ia namorá-la. Tem sido um amor para toda a vida.
E o primeiro emprego…
Na Casa dos Pescadores, como empregado de escritório. Não me recordo de quanto ganhava, mas não ultrapassava, seguramente, os 400 escudos por mês, dinheiro que dava religiosamente ao meu pai.
Como é a sua casa? Como a define?
É uma casa bonita. Sou um amante da natureza. Tenho uma quinta entre Palmela e Quinta do Anjo, esse é o meu espaço lúdico onde tenho as oliveiras mais antigas do distrito, com mais de 2 mil anos.
O que pensa do mundo?
Está a ficar um sítio muito complicado. Desde que o Homem está na Terra, já se passaram períodos muito complicados, mas este será o mais difícil pelos aspetos de consumo que o Homem acabou por ter em expetativa e por agora não puder cumprir. Fizeram-nos sentir que nós éramos ricos. Nunca existiu tanta desigualdade como a que existe hoje. A fome existente nalgumas zonas do mundo e que está a passar para a Europa, não tem razão de existir. A riqueza está mal distribuída pela ganância de alguns Homens. Neste momento as áreas destruidas para agricultura intensiva e pecuária equivalem ao continente africano e à América do Sul. É aterrador.
Sente-se realizado humana e profissionalmente?
Sinto-me realizado. No aspeto profissional tentei valorizar-me, e no humano acho que com a idade tenho vindo a melhorar com mais sensiblidade e abertura para os outros.
Como se resolve a crise?
Um dia destes vamos ter que nos organizar de outra maneira. O sistema politico/partidário já não responde ás necessidades das pessoas. Cada um de nós terá de ter esta consciência e temos de nos unir porque vamos ser obrigados a isso.
Deus criou o Homem, ou foi o Homem quem criou Deus?
Acredito que há uma força universal superior que não sei definir olhando para o planeta, para o Homem e para toda a sua mecanização. Sou um admirador do Papa Francisco, mas tenho sérias dúvidas que se possa considerar a existência de um Deus.
Se pudesse voltar atrás o que mudaria na sua vida?
Dedicaria muito mais tempo à minha família e amigos e menos ao trabalho.
Que faz no presente e que projectos para o futuro?
Estou reformado. Sou presidente da delegação de Setúbal da Cruz Vermelha que quero tornar numa delegação modelo no aspeto altruísta. Quero continuar nesta instituição e estar mais perto dos meus netos e passar-lhes a minha experiência de vida.
CAIXA DAS PALAVRAS
Um destino
Cataratas do Iguaçu
Um livro
Cem anos de solidão (Gabriel Garcia Marquez)
Uma música
Imagine (John Lennon)
Um ídolo
O meu filho
Um prato
Caldeirada à Setúbalense
Um conceito
Que trabalhemos todos para um mundo melhor, mais equílibrado e mais justo